Novos tempos

É difícil ser uma sedentária convícta e tentar repensar estratégias para a mudança.

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É difícil encarar a cama e deixá-la para permanecer sentada, lendo, escrevendo, analisando, horas a fio.

É difícil respirar fundo, contar até três, até dez, até mil quatrocentos e noventa e sete tentando manter a paciência e não levantar para socar a cara de alguém até transformá-la em carne moída.

Mas eu estou tentando.

É assim que tenho encarado os raios brilhantes dos novos tempos. Tempos que trazem muitos ensinamentos, muitas lutas, muitas guerras sangrentas internas das quais ainda não sei se sairei inteira.  Nem ao menos sei se pretendo sair inteira. Talvez deseje uma mudança. Porém, tenho medo da mudança que pode vir.

Meu medo é o de me ser alguém que não sou. Por mais que isso soe muito, mas muito imbecil! De transformar-me tanto a ponto de não poder mais me reconhecer.

Reconhecer-me em minha rabugice, em meu constante mal humor, em minhas gargalhadas escrachadas, em minha ironia fora de hora, em meu humor ácido me enche de uma calma sensação de pertencimento, de reconhecimento, de acolhimento, de bem estar. Aquele sensação de plenitude tão rara.

E as mudanças trazidas pelos novos tempos – e que, confesso, não tenho relutado tanto em aceitar – às vezes me assustam, às vezes me surpreendem, às vezes me enchem os olhos de alegria, outras vezes de lágrimas.

Há muitos anos eu havia colocado para mim a meta de fazer exercícios físicos em casa. Um dia parei. Anos depois fui um mês para a academia e descobri que aquilo me enchia de ódio e de uma compulsão avassaladora (é isso mesmo, super redundante, pois é o que eu quero mostrar: a força terrível daquele desejo infernal) de comer chocolate. Parei a academia antes que o chocolate do mundo fosse extinto. Há duas semanas comecei a fazer Tai Chi Chuan e hoje comecei Yoga. Achei que só ia ficar lá de bobeira, ouvindo sons de água e passarinho, sorrindo pra dentro. Ledo engano! Suei pra caramba e achei que ia morrer de tanto cansaço!

Há uma década fui à primeira aula de licenciatura. Parei, voltei anos depois e parei de novo. Ano passado retornei, terminei e este ano, se tudo correr como deve ser, termino enfim essa etapa da vida, licenciada.

Anos atrás tentei o mestrado. Não estava pronta, não estava realmente ali. Ano passado fiz a prova, com um projeto ao qual me dediquei de verdade e com paixão. To camelando, sem encontrar o ritmo certo ainda, mas cheia de gás e esperança.

São os novos tempos, ou a combinação dos anos (33 deve ser uma idade mágica).

O fato é que, exausta, preocupada com os quilos que adquiri, com as rugas que surgem aqui e acolá, tenho encontrado perdida no meio de sonhos e de uma realidade fora do padrão, uma pessoa muito interessante e que pretendo deixar correr solta pelos campos da vida.

Veremos!

Porto seguro: Gatidade

Ao lado é possível ver um logo. O logo do Borges. Borges é um gatinho branco, lindo e inteligente como todos os gatos do mundo.

logoborges

Só que Borges, além de lindo e inteligente, foi adotado por uma família linda e inteligente que deu asas à imaginação e abriu o coração para todos. Surge assim a Gatidade.

A Gatidade é formada por gatos e humanos amantes de gatos que trocam informações e apoio. Que cuidam uns dos outros mesmo sem se conhecer. E tudo porque o Borges, o gatinho branco, pra lá de fofo, põe suas patinhas pra trabalhar e encher nossas vidas de sonhos e alegrias, mas também para nos sensibilizar com textos belíssimos.

Tudo começou quando uma amiga minha, rindo das histórias de Borges e sua irmã Christie, me apresentou o blog. Eu, gateira enlouquecida, obviamente virei fã. Passei a seguir e a me divertir com tudo o que rolava no site.

Um dia, em setembro de 2013, percebi que algo mais acontecia. Eu me sentia parte de algo que era maior, muito maior que meu mundo felino tão conhecido.

No dia 29 de setembro do ano passado, o avô do Borginho, como ele é carinhosamente chamado por seus fãs, faleceu. Era um domingo e Borges mantinha uma coluna em seu blog chamada “domingo é dia de dormir”. Naquele domingo, a coluna não foi ao ar, mas Borges deixou um texto sobre a “escolha” de seu avô (http://www.borgesogato.com/domingo-e-dia-de-dormir/)

O texto-homenagem ao avô do Borginho foi uma das coisas mais lindas que já li. Chorei copiosamente, como se conhecesse o Sr. Leandro e sua família, como se aquelas pessoas fizessem parte de minha vida. Senti o gosto amargo da perda de uma pessoa tão querida. Sofri imaginando o Greyzinho sem seu parceiro de brincadeiras e carinho. Imaginei tristemente o silêncio que se impunha na casa do Borges.

Naquele dia, percebi que a Gatidade existia. Existia para além das brincadeiras, das risadas, do mundo virtual. Criamos um mundo onde podemos partilhar alegrias, medos, tristezas, dúvidas. A Gatidade partilha as loucuras que só os gateiros entendem.

Além do site do Borges, a Gatidade possui outras ramificações, entre elas um grupo no facebook – grupo de fãs do Borges. Fiz parte de vários grupos de discussão sobre inúmeras coisas. Sempre tentava participar de grupos que faziam com que eu me sentisse menos “estranha”. Aquela velha ideia de ser um peixe fora d’água, de remar contra a maré, de não me enturmar verdadeiramente, parecia diminuir nesses grupos.

Entretanto, ao entrar para a Gatidade, no grupo do facebook, parece que mergulhei numa realidade à qual pertenço. Perco-me ali. Sofro, choro com a perda de gatinhos. Digo em casa: “mais um de nossos gatinhos se foi”. A tristeza é imensa. Dou gargalhadas com as peripécias de felinos levados, respondo mentalmente aos gracejos da majestade Jordan Rotta, fico impressionada com a beleza desses peludinhos e de seus pais dedicados.

Só que foi através de meu cachorro, o Theo, que descobri que a Gatidade tem sido um porto seguro para mim. Melhor que muito psicólogo, diga-se.

Theo faleceu no dia 03 de fevereiro, depois de muito lutar. A dor foi terrível. A sensação de não ter feito o que era preciso, de ser negligente, o desespero por não ter me despedido – encontrei-o morto ao retornar mais cedo do trabalho – corroeu minha alma. E desabafei minha dor, minha tristeza, minha solidão num post no grupo.

O carinho que recebi foi algo que não tenho palavras para agradecer. Pessoas que nunca me viram, que apenas compartilham comigo um amor por esses seres tão frágeis, foram capazes de amenizar meu sofrimento, de me ajudar a encarar o Theozinho como uma nova estrelinha a brilhar no céu.  As palavras de conforto que me deixaram foi o alento que precisei naquele momento tão triste.

A Gatidade mostrava mais uma vez sua força e dedicação. Muito obrigada mesmo.

Preciso agradecer também a Emanoelle Farias e seu esposo, os pais do Borges que, ao fim e ao cabo, são os responsáveis por tudo isso.

E para finalizar, quero dizer que a Gatidade é a melhor coisa que me aconteceu. E que toda vez que me sinto perdida, sei exatamente onde devo mergulhar. Salve, salve!

Timidez adquirida

Não sei quando foi que começou. Sinceramente, não me lembro mais. Acredito, porém, que tenha sido em algum momento na adolescência. Sim, porque antes disso, eu era uma menininha bem levada e adorava apresentações.

smile evergonhado

Participei de inúmeras exposições escolares, jograis, danças, tudo era um espetáculo e eu acreditava sinceramente que meu destino era ser artista. Atriz, talvez, já que diferentemente de meu pai, não tinha – nem tenho –  nenhum talento pra música.

Um dia, isso mudou.

O primeiro sinal foi a gagueira. Gaguejava em qualquer situação, mesmo conversando com meus amigos e parentes.

Depois da gagueira vieram tremores, dores de barriga, suores infinitos, crises de choro e, por fim, o isolamento. Sim, isolar-me foi a maneira que encontrei, a partir daquele momento, para sentir-me segura.

Depois, descobri um método infalível: a piada. Descobri-me fazendo graça de tudo, inclusive das coisas tristes. Era preciso tornar tudo engraçado para não desencadear um processo paralisante da vergonha ao extremo.

Na faculdade, cada anúncio de seminário era uma tortura. Lia, preparava minhas falas, treinava olhar para o além, mas só conseguia fazer a coisa funcionar fazendo graça.

Agora, estou numa fase da vida em que as apresentações não podem ser recheadas de piadinhas. Sinto-me deslocada, incapaz de por para fora aquilo que sei, aquilo que preciso dizer. O suor chega a pingar, o que aumenta meu desconforto e a vontade de que um buraco se abra e me engula.

Na última fase do concurso para professor, que fiz hoje pela manhã, o medo apareceu às 6:30h. A  seguir, a primeira dor de barriga. Às 7:30h mais uma vez, o pânico deu as caras, e o calor fez com que a sensação de terror aumentasse. Até a audição fica prejudicada. Durante a apresentação, as palavras fugiram, as pernas tremeram, o suor escorreu e minha voz saiu esganiçada.

Na volta pra casa só pensava em minha cama, protetora, em meus gatos que não se importam com minha falta de habilidades sociais e meus livros, onde esse tipo de coisa chega a ser charmosa…

A única alegria é saber que tudo isso acaba e que, para todas as outras situações da vida, eu posso fazer uma piada…