O mundo se despedaça

Esse é o título de um livro de Chinua Achebe. Mas neste momento parece ser o título dos nossos dias.

Hoje um amigo faleceu. Depois de passar meses na UTI devido a um assalto em que ele foi espancado. Levaram sua mochila e sua bicicleta. Esse foi o preço da sua vida. Os assassinos seguem impunes, escondidos na miséria que lhes cabe. No anonimato, levando a merda de vida deles. E o Aguinaldo se foi.

Receber essas notícias é sempre um murro na cara. Uma tristeza sem fim. A mente volta aos tempos de alegria, de compatilhamento de ideias, abraços, sorrisos. Volta àquele tempo que fica na memória, que fica no coração, que foi imprescindível para sermos quem somos hoje. E aí vem o vazio, a dor. Um tempo em que sim, existia violência, mas ela parecia tão longe de nós. Tão longe da gente que passava o tempo sonhando.

Também lutávamos; também discutíamos o futuro e o presente, claro, ali na nossa cara. Mas a gente tinha tenho pra sonhar. A gente tinha condições de sonhar.

Hoje parece que até isso estão tirando de nós.

Estamos sendo mortos numa festa, na fila da lanchonete, na calçada. No meio da tarde de um sábado.

E poucos estão se importando. A dor é infinita.

Nos matam por falta de segurança, por falta de saúde, de vacina, de educação, de comida, de emprego. Nos deixam morrer um pouco – mas rápido – todo dia. Só desviam o olhar, quando muito.

O mundo está se despedaçando. Os sonhadores estão partindo. Os sonhos estão desaparecendo. Que triste é isso.

Dois pés de galinha ou a humilhação nossa de cada dia

Na sexta-feira, 20, por volta das 14h o Boris, meu senhorzinho de 19 anos e meio tentou me matar tendo uma convulsão completa (pois é, até aprendi que tem convulsões diferentes). Foi uma coisa ultra pavorosa. Tremia e chorava tanto que nem sei como consegui pegar o bichinho no colo pra segurá-lo evitando que se batesse tanto no chão.

Ele também não demonstrou sinal algum antes. Muito pelo contrário: estávamos na cama, prontos para vermos uma série e, do nada, ele começou a mexer a patinha traseira como se fosse se coçar. Aí desceu da cama pela escadinha dele e, no chão, tombou e começou a se debater, espumar pela boquinha, contorcer o corpinho todo. Já pulei e, meio cega, coloquei ele no colo, onde ele soltou a bexiga. Ficamos lá, no chão, molhados, perdidos. Conforme ele foi se acalmando, fincou a unha na minha blusa, na altura do ombro, e lascou uma mordida também, que só pegou a blusa. Ficou assim, me olhando com a pupila dilatada, fixo. Só “pensei, meu, fudeu, ele vai morrer”. Ligação daqui, áudio dali, falei com a veterinária dele, as coisas foram se organizando e o Boris, voltando ao normal.

Pois bem. Sábado de manhã, seguimos para a clínica veterinária, onde ele faria o tratamento normal dele e a coleta para os exames complementares. O bichinho parecia possuído. Mesmo sedado não deixou ninguém pegar sangue nem nada.  Mais de duas horas depois voltávamos pra casa com uma lista de remédios, um encaminhamento para o laboratório e uma dica: fazer um caldinho com pés de galinha.

Deixei o Boris em casa, depois de verificar que ele estava mais de boa e saí atrás dos remédios e dos benditos pés de galinha que eu nunca havia comprado na vida. Nos mercados, vi que só tinha umas bandejas com um monte de pé. E, na minha santa ignorância, pensei “óbvio que não vou precisar disso tudo”. Vida que segue.

Aí, encontrei um açougue e perguntei se teria pés de galinha ao que o açougueiro me disse que não, mas que eu encontraria nos mercados. Então expliquei que sim, tinha visto nos mercados mas era muito e eu só precisava de dois. (?????? Quem me falou que dois bastavam? Ninguém. Esse número saiu da minha incrível cabeça.) Aí ele me disse: “ah, mas dois então eu tenho pois tem muita gente que compra o frango e não quer os miúdos”. Ok. Quanto é? “Imagina, pode levar, eu sempre deixo separado aqui pra doar se alguém pedir”. Tá bom. Cheguei em casa e fui preparar sabe-se lá o que com os meus dois pezinhos de frango. Hmmm, como é que faz esse treco? Mensagem pra um, mensagem pro outro. Ninguém respondia. Aí o Marcio me manda uma mensagem “corta um pouco ele e cozinha, mas por que comprou só dois?” Eu pensando: oxeeee, se é só um gato pra que mais, minha gente? ¬¬

Tô lá de luva (pois mexer em carne não é algo que eu faça com naturalidade) e eis que o primeiro incidente acontece: um dedo da galinha tentou me matar se enfiando dentro da luva. Eu: SEM OR MAS QUE ERROR404!!!

Segura a franga aí, minha filha, com o perdão do trocadilho.

Fiz uns talhos de qualquer jeito e joguei a maçaroca numa panela com um pouco de água. Sentei na sala e vi que tinham me respondido. “Nana, primeiro, numa tábua de carne, você tira as unhas”… Eu de novo: OI??????????? COMO ASSIM TIRA AS UNHAS?? Minha filha, eu joguei foi com tudo na panela.

A partir de então foi um tentar explicar, justificar, comentar que não deu outra! Era gargalhada atrás de gargalhada. Todo mundo querendo saber o porquê de APENAS dois pezinhos, como que eu não arranquei as unhas, etc., etc., etc. E, evidentemente, todo mundo morrendo de rir!

Boris, tadinho, dormia no bercinho esperando que a humana dele soubesse pelo menos fazer um caldinho simples. A humana rindo de perder o fôlego vendo como ia remediar o desastre.

A nequinha que rendeu do cozido ele lambeu feliz. Eu, sem conseguir fazer nada além de rir e morrer de vergonha, fiquei rindo e morrendo de vergonha. Mas já tô acostumada. Vim ao mundo para isso. E pra passar raiva, claro.

Boris segue quietinho, amuado, ainda debilitado pelo ocorrido, embora tenha comido e bebido água. Eu sigo aqui, me preparando para a próxima ida ao mercado, comprar uma bandeja cheinha de pé de galinha e sabendo que pelo menos da próxima vez a humilhação não será tão gigante!