É só uma casa

A casa pra mim sempre foi um local de paz. Meu santuário particular. Um local onde eu posso recarregar as energias, ser criança de novo, libertar a boba-alegre que vive dentro de mim. Não era uma casa, era um lar.

Era o lugar mais bacana do mundo. Durante toda a minha vida sempre foi assim. Chegar em casa era a maior alegria do mundo. O meu cheiro em tudo, meu modo de arrumar as coisas, meus papeis, minhas marcas, as marcas da minha história no meu cantinho.

Não saberia viver, penso, num lugar que não fosse assim. Um lugar onde não pudesse me ver, me expressar, me renovar.

Agora minha casa deixou de ser um lar.

Há alguns dias, cheguei do trabalho e tive a triste surpresa de ver meu lar arrombado, minhas coisas bagunçadas e levadas. Gente estranha que mexeu em tudo e roubou mais que coisas materiais, roubou esperança, sonhos, memórias.

Foram minhas fotos, meus textos, minhas anotações, meus filmes. Foram presentes, foram cartas, foram partes de mim.

O prejuízo material, por maior que seja, não dói tanto quanto a usurpação de partes de meu ser. Quanto a invasão a um espaço que me era sagrado.

O medo agora permeia tudo.

A casa agora é só uma casa. Vazia, sem cheiros, sem capacidade de recarregar o que foi esvaziado. O silêncio, que antes significava paz, agora oprime. O portão que anunciava a chegada de seres amados, agora causa espanto. A janela, que deixava entrar o vento e com ele o sorriso faceiro, agora permanece trancada.

É um sentimento sem nome. É um vazio terrível. Um misto de medo e revolta. De perda de coisas sem preço.

É só uma casa agora.

 

A explosão

Há uma espécie de complô na minha casa. Desde que me mudei, há um ano e três meses, cinco de meus seis gatos ficaram doentes. Número incrível, especialmente porquê, excetuando o Boris que tem insuficiência renal, todos sempre foram muito saudáveis.

Mas nem só de tristeza e apuro, temos vivido. No meio do caos sempre encontramos motivos para rir ou, pelo menos, para tentar encarar as coisas de uma maneira mais leve.

Quando a Pandora adoeceu, fez sua cirurgia e voltou pra casa, a primeira coisa que aconteceu foi uma crise de riso ao colocá-la no chão para andar com os demais. Isso porque ela estava com o cone da vergonha, o colar elisabetano ou, como carinhosamente costumo chamar, o capacete.

Ela trombava nas coisas, os outros saiam correndo espantados e eu morria de rir. A cena era muito engraçada, especialmente por ser a senhora Babá (apelido da pandora) uma gatinha bem malvada e durona.

Pois bem. Agora que adoeceu foi o José Emílio, três anos, carinhoso demais, apavorado em excesso. Pedras na bexiga, o diagnóstico. A solução? Cirurgia.

Ok. Ele foi internado, operou, limpou tudo e foi um sucesso. Sábado, a casa faxinada para recebê-lo, sou avisada que ele viria com a sonda uretral. E agora? O que fazer?

Preparei o banheiro para servir de hospitalzinho. Assim ele ficaria isolado dos outros, não correria o risco de ter a sonda arrancada ou de numa brincadeira, arrebentarem os pontos na barriga.

Preciso lembrar que o banheiro sofreu algumas adaptações para recebê-lo. No chão foram espalhados tapetes higiênicos. Uma caminha foi posta ali para mais conforto. Potes de água e comida que facilitassem a alimentação com aquele treco que ele precisava usar no pescoço. Uma liteira não com areia, que já nas primeira horas de internamento eu percebi que não seria uma boa ideia, mas sim com papel de revista picado e um ventilador porque ninguém merece esse calor do norte paranaense.  Tudo muito lindo e arrumado.

Primeira noite foi terrível. Ele chorava, batia o capacete na porta do banheiro, tinha dificuldades para comer e beber água.

Percebi que ele não fez cocô. Em contato com a veterinária (que é preciso registrar, é uma santa por me aturar) foi indicado que: 1) ele deveria tomar um medicamento laxante, já que ha dias não defecava; 2) ele poderia usar fraldas para socializar com os outros, passear pela casa com a sonda aberta e não mexer nos pontos, evitando assim o famigerado capacete.

No domingo a tarde, dei o remedinho, ele andou pela casa de fraldas o dia todo, se comportou super bem e, para nosso assombro, em momento algum tentou tirar o novo acessório, destinado originalmente para bebês humanos.

Fui dormir mas acordava de hora em hora pois ele chorava e metia a cabeça com o capacete na porta. Para dormir ele ficava ainda no banheiro e de capacete.

Às quatro e meia da manhã de segunda-feira la vou eu novamente para o banheiro conversar com ele, tirar o capacete, auxiliar na alimentação, verificar os pontos, a sonda, enfim.C360_2016-04-17-14-21-27-252

Aí, toca meu celular na segunda, seis horas da manhã e lá vou eu para mais uma fase da vida de mãe-enfermeira-de-gato. Abro a porta, ainda muito sonolenta por conta de mais um noite mal dormida e me deparo com o apocalipse!

O único pensamento que me veio: caramba, José Emílio explodiu!

Dói relembrar, mas havia fezes por todo, TODO o banheiro. Nos vidros do box, nos azulejos, nas peças de porcelana, no pote de água, de comida, na casinha… E no José Emílio, claro. Muitas fezes. O capacete dele estava medonho. Seus pelos melecados e duros.

Não sabia se sentava e chorava, se fechava a porta e voltava a dormir, se acudia o pobre gato, se me jogava da janela!

Mas mãe é aquela coisa. Antes de raciocinar bonitinho começa a agir. Me vi correndo para pegar lenços umedecidos para limpá-lo em primeiro lugar. Deixei-o razoavelmente limpo e coloquei sua fralda, com a sonda aberta, para andar pela casa. Recolhi tudo o que estava no banheiro em estado deplorável. Joguei no lixo o que era de lixo, levei para o tanque o que era possível salvar. Preparei a vassoura, sabão, cândida e corri para lavar o banheiro.

Moída, sem tomar café, sem tempo pra arrumar a marmita me limpei (quase ao estilo banho de gato) e corri para o ponto de ônibus para ir trabalhar.

Ao chegar em casa José Emílio estava tranquilo, com sua fralda, ainda tentando mostrar aos amiguinhos que era ele mesmo ainda que tivesse um cheiro não muito agradável. Os outros o evitam, é verdade, mas ele persiste em suas tentativas de cabeçadinhas e ronrons.

NUNCA, nunca mesmo pensei que um único gato fosse capaz de causar o estrago que ele causou em meu banheirinho.

Mas já com tempo, no fim do dia, foi possível melhorar o que tinha começado pela manhã.

Aí a gente pensa: putz, pra um dia foi tenso! Só que não. José ainda me deu um outro susto, no fim da noite. Com vontade de ir ao banheiro (a caixa de areia) e irritado por não conseguir usa-lo adequadamente, com sua carinha de pobre coitado, me convenceu a tirar a fralda. Quando de repente, não mais que de repente, num salto, ele arrancou a sonda.

Meu desespero foi total. O coroamento de um dia maluco. Obviamente que liguei para a veterinária que tentou me manter calma e realizar os procedimentos para verificação do bem estar da minha bomba relógio.

Tudo tranquilo, pude enfim, dormir.

Hoje, José Emílio voltou à clinica para retirada do ponto que prendia a sonda a seu pipizinho. Evidentemente que ele nos deu um presentão: fez xixi nele mesmo. Na ida e na volta.

Eu não sei o que ele pensa, mas tenho medo de ele querer ser tornar um CatBomber! Os primeiros passos (se é que se pode chamar sua explosão de primeiros passos) já foram dados.