Confissões

Há um momento em que nossa escolha parece definir muita coisa. Se vamos ser felizes, tristes, se vamos vibrar, se vamos chorar, se vamos nos arrepender. É assim que me sinto todas as vezes que escolho um livro. Aquilo vai definir uma parte de meu mundo. O mundo que crio todos os dias.

Não sei bem como foi que começou, mas tenho alguns flashes da infância. Lembro-me de minha mãe e minha irmã me ensinarem a ler, geralmente em rótulos de produtos, enquanto ficávamos sentadas nas escadas de casa. Lembro de tentar ler livros “proibidos” para mim (e que depois, quando os consegui ler, se mostraram chatos e abobalhados). Lembro de confusões familiares causadas por livros ,como na vez em que minha cunhada me emprestou um livro e minha irmã me fez devolvê-lo pois tinha sido escrito por Paulo Coelho. A questão aqui não era a qualidade da escrita nem o conteúdo do livro e sim a aura maléfica que parecia envolver o autor – ao menos na cabeça de algumas pessoas. Acabei ganhando o livro e precisei mantê-lo escondido em minha coisas.

Lembro-me ainda das bibliotecárias, tanto as da escola como as da biblioteca pública, brigando comigo ao afirmarem que eu não conseguia ler todos os livros que pegava e que o melhor seria que eu os deixasse lá para as pessoas que realmente fossem lê-los. Parecia anormal que eu fosse lá todos os dias levar e buscar novos livros.

Lembro-me também de me sentir meio esquisita quando recusava sair ou brincar na rua porque tinha um livro legal pra ler. Ou achava que era legal.

E de ter “roubado” diversas histórias dos livros pra compor meu mundo particular e pra iniciar os tantos “livros” que já escrevi na vida. Enchi cadernos e cadernos com pessoas e lugares que só conheci nos livros. Dei novas vidas a eles, novos momentos e muitas aventuras. E isso alimentava também a minha vida.

Quantas vezes chorei e entrei em desespero com um livro? E quantas vezes tudo no que eu conseguia pensar era em como ter um livro? O próximo? Mais um.

É um pensamento obsessivo. Se me perguntam o que eu quero a resposta costuma ser “um livro” mas sempre pensando que, num golpe de sorte, posso ganhar vários. Eles me fascinam e me consomem.

Fico angustiada, animada, cansada. Esqueço de dormir, comer, ir ao banheiro, tomar remédio, enfim, esqueço de qualquer coisa se tenho um livro para ler. Por isso, tento me policiar para retomar a vida que dizem ser a real. Meus gatos colaboram também, não posso negar. Miam e pulam em minha barriga me deixando sem ar. É o modo deles de dizer: ACORDE!

Nos anos anteriores dediquei minhas leituras aos temas do mestrado. Mas dei várias escapadas. Várias mesmo. Porque não consigo resistir. É muito mais forte que eu. Então, algumas noites foram regadas a livros que alimentavam outra coisa que não sei explicar. Compulsivamente lia. Compulsivamente pensava neles quando tinha que escrever a dissertação e ler as coisas que eu devia ler. E, de repente, lá estava eu lendo outras coisas, com certa dor na consciência e, até, meio escondido, como se fosse ser pega em flagra, cometendo o pior dos delitos.

Leio com amargor as reportagens que indicam que o número de livros lidos por brasileiros, por ano, não chega a 4. São coisas que me entristecem ao mesmo tempo que parecem lançar um desafio: leia o máximo que puder para ajudar a elevar esse número!

Assim, ainda que tenha alguns livros para ler na estante, passo horas sonhando com novos volumes. Recebo indicações, propagandas de livrarias, anoto os títulos que me encantam. E mesmo quando pego um livro que demonstra ter um conteúdo que não corresponde às minhas expectativas ou, pior, quando realmente me decepciona, não consigo parar até que a última página, a última palavra e o definitivo ponto final tenham chegado.

Essa é minha confissão: Sou viciada em livros. E não tenho a menor pretensão de buscar ajuda.