Toda mulher é meio Rita Lee

Em 1989, a caminho da escola, ouvi minha mãe conversando com a vizinha. Falavam da morte de Raul Seixas. Foi a primeira vez que lamentei a morte de alguém famoso, mas que parecia fazer parte da família, tamanho eram o carinho, a admiração e a dedicação às canções do Maluco Beleza na minha casa.

Chorei, mesmo sem entender direito. Só sabia que ele era muito importante para nós e que tinha ido embora. Para sempre.

Lembro de outra vez, ja adulta, na faculdade, quando uma amiga chegou e disse que Joe Ramone tinha morrido. Chorei também. Desta vez a experiência com os Ramones eram mais minhas que de casa. E aí parece que a dor era maior.

E assim, ao longo da vida, tenho chorado a perda de grandes referências da música (principalmente, mas não só) mundial, mas referências para minha vida. Pessoas que com seu talento, suas experiências, retrataram aquilo que eu, muitas vezes, não soube como expor, como por em palavras. Nas canções dessas pessoas eu pude me ver; pude ouvir meus medos, meus sentimentos, minhas dúvidas, minhas lições. E era maravilhoso. É maravilhoso.

Belchior quando partiu abriu um rombo em meu peito. Chorei demais. Gal, aquela voz, as letras. A tristeza que fica.

E ai hoje, enquanto lia um livro, vejo, pelo canto do olho, uma notificação no celular que começava com “Rita Lee…”. Afastei a notificação e no mesmo instante meu coração parou. Pensei: “Não…. não…”. Abri o buscador. Ela havia partido.

Venho seguindo a Rita pelas redes sociais. Desde sempre amava o que ela falava, a forma como se referia aos animais, o modo como declarava seu amor ao Roberto (que mais parecia coisa de cinema), as declarações tão sinceras que chocavam muitos. Eu sempre me deliciava. Talvez por entender daquele humor, como uma boa capricorniana.

Ao saber da doença primeiro veio o susto, depois aquele “ah, ela vai sair dessa e quando estiver bem velhinha ainda vai fazer anedótas sobre..”. O bem velhinha não chegou.

Nos últimos anos a cada novo post era um alívio, a certeza de que ela estava aqui. Que essa referência não havia partido. Que ela estaria falando, criando, ensinando mais. Pois é assim que vejo. A adulta que sou hoje bebeu e aprendeu nas músicas da Rita, viu que ser uma ovelha negra não era o fim do mundo; que viver pelado e pintado de verde pode ser libertador, que a gente não aguenta lero lero, que da pra fazer amor por telepatia, que podemos agir com a sutileza de um furacão, que às vezes estaremos meio desligados, com os pés longe do chão e que outras vezes vamos querer ser meio Leila Diniz .

Chorei. Chorei como quem perde alguém que estava logo ali, ao alcance da mão. Chorei porque pareceu que estou ficando velha e que esses amigos estão todos partindo. Chorei porque parece que a gente começa a falar com ninguém. Chorei porque a Rita parecia imortal. (E ela é, eu sei)

Chorei porque me deu medo de ela não ter tido a real noção da sua importância nesse país, pras mulheres dese país. Não só na música.

E concordo com a Preta Gil que sabiamente escreveu “Descanse em paz não combina com você, aonde quer que você vá, você será pra sempre luz e revolução”. Obrigada, Rita, por ser a nossa Revolução.

É, Rita, agora também falta você.

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