Um dia inesquecível (?)

Por conta dos acontecimentos da última quinta-feira, resolvi deixá-la registrada aqui.

A vida precisa de mais espaço, precisa ser escrita, para ser lembrada, para que nos possibilite rir ou chorar, ou rir e chorar ao mesmo tempo, diante das “aventuras” que vivemos. Talvez, na hora em que tudo ocorra, não tenhamos a clareza, a sobriedade para analisar tudo e resolver as coisas como deveríamos, mas certamente, os imprevistos, os tropeços não são o que vão fazer uma vida ser menos interessante. Aliás, talvez justamente essas trapalhadas sejam o que tornam essa nossa passagem uma coisa que, no fim das contas, faça algum sentido.

Vamos aos fatos.

“Quinta-feira, 29 de novembro de 2012. A minha vida daria um livro, um filme, sei lá, desde que fosse algo tragi-cômico. Ao tentar sair de casa a minha chave do cadeado do portão quebrou. Precisei acordar os moradores da casa da frente para conseguir sair. No ônibus, que pego mais cedo para ir sentada, lotação total. Aí houve uma festinha de despedida para mim no meu trabalho. LINDO!!!!! Amei, amei, amei. E como sou molóide, chorei, é claro. Vim para casa, o salário estava na conta. Fui pegar o me presente no site (essa vida moderna é uma delícia) e depois de tudo pronto, deu um problema que demorei quase uma hora para resolver. Resolvido, resolvi sair para ir ao mercado comprar meu leitinho sem lactose e outras porcarias que mantém minha linda cútis amarelada e meu humor altamente estranho. No caminho, preciso fazer um saque porque amanhã sairei cedo, e em jejum, para fazer um exame que o meu plano não cobre. Passo num lindo caixa 24h e digito o valor. Alguns segundos se passam e a mensagem em vermelho, numa tela preta aparece “OPERAÇÃO NÃO REALIZADA”. Saco. Vou até um banco, feliz com a chuvinha que caia e que prometia garantir uma deliciosa noite de sono. Entro no banco e vejo o saldo! O.o Choque!!!! Cadê a grana??? Aparecia como sacada na merda do outro caixa!!! Corri para o posto, falei com todo mundo, ninguém sabia de nada. As pernas bambas, o suor frio escorrendo. Em casa grudo no telefone para falar com o banco que me passa outro número que demora a atender. Choro. Acho que vou morrer. É o fim. Nada de leitinho no fim do dia, nada de capítulo de arquivo X, nada de ler texto, nada de nada. Só quero que o mundo acabe logo para eu não descobrir que perdi meu rico salarinho. O homem fala calmamente que foi possível verificar o erro, que realmente não houve saque e que dentro de 48h úteis o estorno será feito. Incrível. Um engano de alguns segundos me demorará dois dias para ser resolvido. Mas aí, já são quase dez da noite. Estou cansada, minhas pernas continuam bambas, meu cérebro falha, me fogem as palavras… Só quero deitar. A chuva continua. Minha cabeça dói, mas agora eu rio. Um riso amarelo, meio besta, destes de quem tomou um susto e se deu conta de que era só um susto bobo. Ah, é verdade… novamente penso que se tivesse um coração teria infartado. Mas não! Isso é um alívio, uma espécie de alívio, uma forma de me convencer de que tudo vai ficar bem. Só resta então tomar um banho, descansar, esperar o amanhã e essas 48 intermináveis horas, e agradecer a algumas pessoas que transformaram meu dia, com todos os seus acontecimentos estranhos, numa quinta feira deliciosa: Leticia Andreia LiraMarcelo OmoriLucimari Del Moura FranciscoFrancine De Lima SantosJoice Franco, Patricia, Gisa, Rositânia, Seu Aldo, João Carlos Chaves, Margarete, Glória, Fabricinho, Bete, Luana Kelem VieiraKellen Tonin Teixeira, Zé Carlos, Miriam, Thiago Callegari, Cris, Adriana, Wen, e o Kuko Marcio Bourscheid que me carregou na corrida pelo resgate do meu salário e acordou cedo pra quebrar o cadeado… (A todos os outros que não estão aqui eu também agradeço.)”

*Publicado originalmente num post em meu facebook.

De receitas e artigos

Um dos maiores temores de quem escreve é ficar sem “ideias”. É como se de repente o próprio ar fugisse, como se os olhos ficassem cobertos por espessas névoas, as mãos atadas…

E não há muito o que se fazer em períodos assim. No entanto, a espera, porque o que resta é esperar, é sempre lenta e agoniante.

Há dias que penso e penso – e preciso escrever sobre – em meu tema de artigo: a velhice e suas múltiplas facetas. O tema é riquíssimo e deveras interessante. E não é que não tenha ideias. Eu as tenho aos borbotões! É que na hora de colocar no papel, ou melhor, de transcrevê-las, de passá-las da minha mente inquieta para a tela fria do computador… Tudo se perde.

Mentira! Não se perde. Simplesmente parece que minhas ideias perdem a graça, o viço, a fluidez.  E nesses momentos cada movimento na casa parece ganhar força, vigor, a tentar tirar minha atenção para sempre daquilo que sei, mais cedo ou mais tarde, terei que fazer.

Olho para a estante e percebo que preciso urgentemente de um dicionário decente. Não! Eu não gosto de pesquisar palavras – nem muitas outras coisas – na internet, a despeito da agilidade. Vejo que preciso pentear mais uma vez os meus gatos, e terminar a leitura do Foucault e verificar os preços de novos livros e acompanhar os lançamentos literários e o calendário da universidade e a atualização dos amigos nas redes sociais e anotar aquela receita da minha mãe e postar as fotos do meu pai e responder aquele email que está parado na minha caixa de entrada há semanas e orçar a reforma da minha poltrona e decidir se faço licenciatura ou não e verificar a inscrição do concurso e pensar se quero mesmo fazer esse concurso e acender mais um cigarro e massagear meu pulso dolorido e fazer um chá e…

Assim, as horas vão passando, os dias vão passando, o mês vai passando. Logo, logo o ano acaba! E não terei mais desculpa alguma – ou até terei, só não terei mais tempo para procrastinar – para evitar o inevitável. Eu sei disso. E é estranho saber disso e começar o dia com medidas que deveriam auxiliar na ordem das coisas – seja lá o que isso queira dizer.

Acordo, espreguiço-me lentamente, como meus gatos me ensinaram, levanto e tomo o meu café. Recostada na poltrona e com as pernas sobre a mesa, acendo o primeiro e mais saboroso cigarro do dia, frente a frente com o netbook e uma pilha de textos e anotações. “Ok. Vamos lá! Mãos à obra!” Então levanto e olho para o outro computador. Ligou ou não? É claro que não. Se o ligar inevitavelmente cairei em páginas e mais páginas sobre qualquer coisa que não me auxiliará a escrever uma única linha de meu artigo.

Sento-me novamente em minha poltrona e abro o arquivo. O título do artigo é lindo. Fico ali admirando o título. “Que lindo. Soa tão bem…” “Pois é, mas um artigo tem mais conteúdo que um belo título, não é mesmo?” Sou eu brigando comigo mesma.

Uma página depois, sinto-me quase uma vitoriosa. E arrumo um novo motivo para não conseguir escrever: voltou a esquentar.

O jeito, é claro, é falar sobre essa mania de unir o inútil ao desagradável (isto é, a falta de esforço, a má vontade, a preguiça, a inabilidade em contornar a vontade de não fazer nada, ao calor dos primeiros dias de novembro) para, ao menos tentar, dar um choque em mim mesma. Do tipo que em geral esperamos receber dos outros.

Mas agora, ao fim destas linhas percebo que meu cigarro queimou sozinho, inteiro no cinzeiro enquanto minha xícara de chá esfriava esquecida, quando entre uma ideia e outra eu tagarelava com minha mãe ao telefone, anotando, enfim, aquela receita.