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Eu tenho um aparelho de T.V..

Lembro-me de quando ainda morava com meus pais. Meu sonho era ter uma casa dentro de meu quarto. Tinha uma antiga cama de casal, o guarda roupa, algumas prateleiras, uma mesa com quatro banquetas, um sofá de três lugares e uma poltrona. Quando minha mãe queria mudar os móveis da casa, eu tratava de arrumar espaço em meu quarto para caber mais alguma coisa e assim construir minha casa.

E foi assim que em 1992 eu ganhei uma T.V..

Não recordo exatamente como foi, mas o início da “briga” era por saber quem poderia ver o que em que horário. Meus pais queriam novela, meu pai largava a novela pelo futebol. Eu queria ver seriados, meu irmão também, mas outros diversos dos meus e por fim, gostávamos de ouvir ópera no canal Cultura para horror de meus pais.

Sim, ópera! Sentávamos com bacias imensas de pipoca, apagávamos a luz e ficávamos lá, em silêncio, apreciando aquela coisa tão delicada e profunda.

Mas havia apenas um aparelho televisor em casa. Meu aparelho de som eu havia conseguido anos antes. Para curtir meus discos de vinil. Agora precisava – veja, PRECISAVA – de um aparelho de T.V..

Minha mãe, então, já cansada da disputa pelo território televisivo, me presenteou com um aparelhinho de catorze polegadas e controle remoto. Me senti poderosa! Eu tinha uma T.V. novinha em meu quarto e com controle remoto!!!

Os anos foram passando e a minha T.V. seguia firme, e com pouco uso. Porque já naquela época, ler, era para mim, muito mais interessante que ver T.V.. (Só perdia para os episódios de Arquivo X ,da Família Twist, do Ernest, le vampire e do pinguim Pingo)

Salvo momentos muito críticos em minha trajetória, a T.V. era mais um aparelho “decorativo” que algo, digamos, funcional. Ela nunca serviu para muito mais que receber meus adesivos “revolucionários”, servir de puleiro para gatos, porta camisetas usadas, etc. E nos momentos “críticos”, eu me afogava em séries. Cold Case, CSI, Dr. House, Pushing Daysies, Reunion, Damages, etc.

Havia um horário em que aquele aparelho me prendia. Depois disso, voltava aos livros.

Depois, e não sei bem como foi que aconteceu, o aparelho voltou a servir apenas para ocupar um espaço e servir de morada para os ácaros. E assim ela permanece, ainda hoje. A mesma tevezinha de 14 polegadas de 1992.

É verdade que ela me desperta todos os dias pela manhã. Que através dela ouço a cotação do soja, da carne do boi,do café, a previsão do tempo e as notícias do mundo rural. Mas depois desse momento em que ela me fala essas coisas ( e sim, é só falar, pois ela fica de costas pra mim), ela mesma se encarrega de desligar-se e devolver a meu mundo o meu amado silêncio. Quando preciso viajar também gosto de programá-la para ligar para meus gatos. Acho que eles se sentem menos sós assim.

O fato é que, principalmente após a invasão dos PCs, a T.V. perdeu muito de sua utilidade.

E, se por acaso, eu a ligo para alguma programação, para arrumar o relógio após uma queda de energia, ou o que seja, me vejo logo emburrada, com aquelas rugas na testa. Algo nesse aparelho me deixa enervada. E pode ser qualquer canal.

Me afeiçoei ao tec tec dos teclados, ao silêncio das notícias e das conversas online. Olho para a T.V., como fiz agora há pouco, e penso no que fazer com ela. Mantê-la para seguir como condomínio acaróide, doá-la? Não consigo tomar uma decisão.

Acho que por fim, esse aparelho segue em  minha companhia, não por sua utilidade, mas por sua “trajetória”. Por me ligar, simbolicamente, a uma época distante, incrível, em que eu já construía o sonho de meu cantinho com uma cara única: a minha.