O primeiro dia

Uma das  grandes verdades da vida: nada está tão ruim que não possa piorar.

guardachuva

 

O primeiro dia de aula era para ser um dia… Normal. Pegar meu ônibus, o horário já conferido no site. Deveria ter sido fácil, não fosse o atraso dele, de quase dez longos minutos, o que não seria nada, se não estivesse caindo uma chuva… Torrencial.

Já no terminal, estressadíssima por conta do atraso, percebi que os ônibus que eu deveria pegar rumo à universidade – ao menos os ônibus que eu conhecia – já tinham partido. Tudo bem, havia uma solução. Dirigi-me a um outro ônibus onde perguntei: “esse passa perto da universidade?” Ao que o motorista me respondeu: “sim”. “E passa pela rua tal?” “Sim.” Ótimo. Estava, no fim das contas, com um pouco de sorte.

Dentro do ônibus, guarda-chuva fechado, escorrendo a chuva pelo piso, sentei-me num banco molhado, já que eu estava molhada também. Ali passei a me preparar mentalmente para o que estava por vir. Nove anos após terminar o bacharelado em Ciências Sociais, e após 2 tentativas frustradas, lá estava eu, rumo à primeira aula da licenciatura em Ciências Sociais, pela terceira vez na vida, numa chuvosa terça-feira de fevereiro.

Distraída, perdida em pensamentos não tão positivos quanto à minha aula de estágio supervisionado, tentava encarar aquilo tudo como uma etapa da vida, um degrau, essas coisas que a gente faz tentando se convencer de que o que vai fazer não é tão ruim assim.

Quando dei por mim o ônibus entrava em um caminho completamente diferente do meu! Estava me levando para longe da universidade. Que motorista mais f….

Puxei o sinal apressadamente, levantei-me, devo ter emitido algum som ininteligível, mas o ônibus seguia pela sopa das ruas. E parou num ponto longe, bem longe da universidade.

Desci do ônibus e não sabia de abria ou não o guarda-chuva, se chorava de raiva, se xingava, se ligava para alguém me buscar e me levar de volta para minha casa seca e quentinha ou se ia para aquela aula que já estava começando mal…

Bastante atrasada – e irritada -, decidi ir à aula. Se o dia estava pensando que ia acabar com a minha força de vontade ele estava completamente enganado! Eu iria àquela aula nem que chegasse sem sapatos, encharcada e suja de barro – como já fiz numa outra aula odiosa, ainda nos tempos da primeira graduação.

Para minha felicidade, em meus pés eu levava um tênis, o que facilita e muito o andar rápido debaixo de chuva! Ainda mais com um guarda-chuva imenso e uma mochila pesada…

Nas proximidades de meu destino, o tempo, cansado de tirar onda da minha cara, deu uma trégua e diminuiu a força da chuva.

Encontrei minha sala de aula, entrei, no meio da explicação do professor, tentei me arrumar, suada, cansada, com uma cara de assassina –  provavelmente – tentando não gritar de tanta raiva.

Enquanto organizava minhas coisas, a mochila no chão, o caderno e a caneta na mesa, a garrafa d’água na mão ainda trêmula, esperava que o cérebro funcionasse adequadamente e me auxiliasse a me localizar naquela aula, onde tantas coisas já estavam escritas no quadro.

A cada menção ao estágio obrigatório em escolas eu estremecia. Queria que pelo menos essa coisa insuportável que é o estágio ficasse para o fim do ano, para o fim do curso, para o ano que vem.  Quem sabe até, para nunca!!!

Por que eu estava ali? O que eu estava fazendo? Por que não estava lendo Foucault, Bourdieu, Saramago, qualquer coisa, em casa? Por que?

De cara amarrada e suspirando, com a roupa ainda molhada, os dedos levemente enrugados, os pés nadando nos sapatos, me resignei. Acho que desta vez a licenciatura vai me vencer…

Era para ter sido um dia comum, tranquilo, mas não. Era para ter sido um pequeno atraso, mas foi um soco na boca do estômago. Era para ter sido uma aula chatinha, mas foi um passo imenso rumo à minha nova graduação.

É o que espero.