Do pó à purpurina

Cá estou eu de novo. Meu cantinho de reposição de energia,  meu caderninho de anotações.efemero-adeus11

Estava lá, na vida, toda serelepe, abraçando o mundo com as pernas, correndo contra o tempo, e pela primeira vez na vida, querendo que o dia tivesse mais de 24 horas! Uma loucura! Até para os meus padrões!

Aí, sabe como é, descuida de alimentação hoje, amanhã também, depois de amanhã não dá tempo de comer direito e você come uma porcaria qualquer em qualquer lugar.

Amanhece um dia bichada e acha que é uma virose (até os médicos acham isso). Pensa que passou, mas não!

A coisa tá lá escondida em você.  A correria continua, implacável. As aulas, as leituras, as resenhas, as anotações, os artigos e os prazos, sempre olhando pra sua cara pálida com aquele olhar de “ainda não fez?”, e você se sentindo cada vez mais impotente e distante…

Ah, o corpo… maquininha maravilhosa essa! Fica tentando te derrubar pra te mostrar que tem alguma coisa errada. Até que uma hora ele vence! Ontem ele me venceu!

Procurei uma unidade de pronto atendimento. Estava só o pó. Moída de dor, exausta. O corpo inteiro doía. Até o couro cabeludo! Após quase ter voado no tempo, fui atendida. Estava desidratada. Fui medicada. Reexaminada. Resultado: gastroenterite. A origem: possivelmente os dias de descuido na alimentação. O agravante: os dias de descuido constantes comigo. Tempo: 6 horas de atendimento.

Aí, no dia seguinte, tô na minha casinha, acompanhada pelos filhos-felinos, curtindo o soro, o sono, a moleza. Recuperando-me, enfim. Recebo uma ligação. Vão me visitar. Legal. Pena minha casa estar virada do avesso e eu não ter a mínima vontade de mudar isso.

Recebo minhas amiguinhas loucas, brincamos com a família felina e canina e ao irem embora deixam um presentinho em casa.

Ali, sozinha, sentada na cama, vou às lágrimas. Tanto carinho, tanta atenção…

Depois, inevitavelmente, caio na gargalhada! Pessoas mais loucas que eu conheço, viu? Aprontam cada uma que merecem um prêmio, só por existirem!

Fiquei ali, sentadinha, olhando o além e pensando, rindo bestamente, brilhando de alegria. Era só isso que faltava pra me recuperar! Um banho de purpurina travestida de amizade!

 

 

Saudades da vida

Trabalhar com idosos é preparar-se constantemente para a hora do adeus. Embora essa máxima esteja de certa forma implícita em nosso dia a dia, ela não é algo com o que queiramos lidar, não é algo que parece que vai se concretizar.

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Meus colegas de trabalho e eu nos acostumamos a ver nossos velhinhos mês após mês no balcão de atendimento solicitando alguma coisa: seus holerites, informações sobre os processos de aposentadoria, aumento, ou o mais delicado, um pouco de nosso tempo para uma conversa.

Quando um deles não aparece, a preocupação surge, inevitável. Eles, de alguma forma, se tornam membros de nossa família. Ao menos é o que sinto. São como meus avós, os avós que nunca tive. Mas não só. São mais que isso. São amigos, são condutores de passos, são guias por caminhos que trilho, são mãos que me levam por estradas de paciência e humildade, de sabedoria e delicadeza.

Por conta de umas tantas injustiças que ocorrem neste mundo, muitos de meus velhinhos se aposentam com salários vergonhosos, e acabam tendo que procurar outro emprego para conseguir manter a vida. Outros voltam a trabalhar pois passaram a vida toda “treinados” para achar que quem não trabalha é vagabundo, que o aposentado é um peso e um folgado. Essa ideia faz com que muitos percam seus dias em doenças, não possam aproveitar o precioso tempo que lhes resta, nem consigam apreciar a beleza que existe fora de qualquer ambiente controlado pela máquina esmagadora do mundo assalariado. Mas não é sobre isso que vou falar. Embora, de certa forma, essa forma absurda e cruel com que construímos nossa história seja a grande culpada pela perda de inúmeras vidas e pela perda do brilho de outras tantas vidas.

Um de meus velhinhos, a quem durante alguns anos acompanhei, desde a simulação da aposentadoria, ainda durante o tempo em que trabalhava, depois a montagem do processo de aposentadoria e por fim o tão esperado momento de poder se libertar das correias do cartão-ponto, foi engolido pela engrenagem do trabalho semana passada. Ele, que estava feliz por ter conseguido se reinserir no mercado de trabalho apesar de sua idade; ele que ia tão contente nos contar suas andanças; ele que esperava ansioso a próxima festinha que faríamos.

Quando eu soube de sua partida definitiva, ocorrida devido a um acidente de trabalho – no novo trabalho – entrei em choque. “Você não pode se apegar! Os velhos morrem!”, disseram-me.

Eu não sou máquina. Não quero tornar-me máquina. Quero poder sentir. Mas essa dor, esse saber que não verei jamais alguém, dói tanto… Gostaria de evitar.

Naquela quarta feira foram dois de meus velhinhos. Dois amigos que partiram. Um num acidente de trabalho, outro porque o trabalho o deixou tão doente que, ao se aposentar, mal pode fazer outra coisa que não tentar salvar um pouco de sua pouca saúde. Duas lutas perdidas.

Tudo isso serve para dizer que sim, esse mundo está doente demais, talvez em estado terminal. Mas também para alertar que o tempo é curto demais. Que as pessoas são importantes, que merecem o nosso melhor, que talvez o amanhã não chegue e que, portanto, já é chegada a hora de aprendermos a viver… Que sobreviver já não nos basta!

E a saudade está aí, só pra lembrar…