Sansara

É quase como se não pudéssemos fazer diferente. Chega o fim do ano e todo mundo espera que façamos uma análise do ano que finda e projetos pro ano que começa. Tanto que a gente se pega fazendo isso de forma meio automática. O que me fez lembrar das aulas sobre Durkheim. Enfim.

2023 foi um ano estranho (qual não foi?). Um ano em que, de certa forma, retomamos a confiança pra sair sem máscara, pra comer coisas na rua, pra roubar uma uva no mercado. Mas também foi um ano em que vimos pessoas adoecer (e, em especial, de covid-19) e o medo ressurgia, nos fazendo temer entrar no elevador com um estranho. Talvez o que a pandemia nos deixe, além de toda a dor da perda, seja esse deslocamento, essa sensação de que nunca mais o mundo parecerá seguro. De que aquela ilusão foi pra sempre destruída. Tipo quando Truman descobre que seu mundo não existe.

2023 foi, também, o ano em que eu retomei meu tratamento de fibromialgia mais a sério. Pois em 2023 eu desenvolvi alguns outros problemas que pioram imensamente a condição da fibro. Meio a contragosto retomei a utilização de alopáticos diários e, embora não se possa dizer que está tudo maravilhosamente bem, a melhora é, sim, perceptível. E cuidar da saúde (mais) foi algo que 2023 mostrou que precisa ser feito. E aqui não é a saúde física, somente. Precisamos deixar de compartimentalizar a saúde e entendê-la como um todo. Eu tenho tentado.

A saúde e o cuidado de si – nessa perspectiva mais ampla mesmo – é algo que vinha sempre batendo à minha porta; algo de que estava sempre ciente, mas que, de uma forma ou outra, acabava ficando pra depois. Pelo menos, em parte. Mas é impossível mesmo dizer que se está saudável se alguma coisinha não estiver nos eixos. Então, dizer NÃO para situações que não me são confortáveis, que antes geravam uma espécie de sentimento de inadequação, hoje é compreendido como parte do caminho para a vida saudável. Estar bem comigo ficou mais e mais e mais importante que antes.

E foi por isso que retomei a fisioterapia para meus braços. Detesto fisioterapia. Muito. Mas tive a sorte de pegar uma fisioterapeuta querida, comprometida e que ouve, de verdade, o que digo e, assim, monta um bom plano de ação. Que rendeu ótimos resultados, diga-se.

Foi, ainda, um ano em que me superei nas leituras. E a leitura faz parte de minha terapia. Li muito, pelo menos para os meus parâmetros, ainda que tenha dado umas patinadas ao longo dos doze meses. Períodos em que me perguntava para que continuar lendo livros tão chatos, por exemplo. Pois em 2023 eu aceitei que thriller (psicológico, policiais, fantástico, mistério ou políticos) é meu gênero favoritíssimo. Ainda assim, me esforço para ler outros gêneros, com algumas restrições (romances românticos, por exemplo). E, já passando para a área dos planos, fiquei imaginando mudar a forma como lido com essa aventura. Pois, para mim, ler é, sim, uma aventura. E, embora não tenha nada definido, queria exercitar a escrita resenhando os livros que for lendo ao longo do próximo ano. Por isso, para tentar entender o que fazer, como fazer, etc., encerrei a leitura de novos livros uns dias mais cedo. O que me deixou bem ansiosa e meio enlouquecida. Mas dia 01 ta chegando ahahahhahahahaha

Também como terapia, há uns anos descobri o artesanato. Por vários motivos o feltro foi saindo de minha vida e, em 2020, doei praticamente todo meu material para uma pessoa que estava na mesma situação que eu, quando comecei. Tomara mesmo que o feltro tenha sido para ela o que foi pra mim. Mas em 2023 resolvi dar asas (em voos imprudentes, inclusive) à terapia com papel, envolvendo lettering, quilling, desenho e dobradura. Talento? Nenhum, né. Mas a paz que isso dá… Meu, não tem como negar. Dou risada sozinha (o que não é exclusividade do trabalho com papel), risco, rabisco, rasgo, esqueço que existe um universo fora da minha mesa, das minhas canetas, estiletes, papéis… E, ainda que o faça de maneira muito lenta, quero aprender mais, quero brincar mais nesse universo de possibilidades. Só não o fiz em 2023 pelas limitações do meu bracinho direito, ainda em tratamento. 2024 ta prometendo.

Como será 2024? Gostaria de dizer que será um ano em que a gente vai ter segurança (nas ruas, no congresso, na educação, na saúde, nas finanças…). Que vai ser possível realizar aqueles desejos que deixamos pra depois por falta de tempo, de grana, de companhia, vai saber. Euzinha quero mesmo é tomar o meu tempo de voltar e fazer bom uso dele. Quero rir, quero me emocionar, quero estar presente 100% no que eu me dispuser a fazer. Quero lembrar todo dia que esse compromisso é COMIGO. Pra 2024 e pra todos os anos depois dele.

Toda mulher é meio Rita Lee

Em 1989, a caminho da escola, ouvi minha mãe conversando com a vizinha. Falavam da morte de Raul Seixas. Foi a primeira vez que lamentei a morte de alguém famoso, mas que parecia fazer parte da família, tamanho eram o carinho, a admiração e a dedicação às canções do Maluco Beleza na minha casa.

Chorei, mesmo sem entender direito. Só sabia que ele era muito importante para nós e que tinha ido embora. Para sempre.

Lembro de outra vez, ja adulta, na faculdade, quando uma amiga chegou e disse que Joe Ramone tinha morrido. Chorei também. Desta vez a experiência com os Ramones eram mais minhas que de casa. E aí parece que a dor era maior.

E assim, ao longo da vida, tenho chorado a perda de grandes referências da música (principalmente, mas não só) mundial, mas referências para minha vida. Pessoas que com seu talento, suas experiências, retrataram aquilo que eu, muitas vezes, não soube como expor, como por em palavras. Nas canções dessas pessoas eu pude me ver; pude ouvir meus medos, meus sentimentos, minhas dúvidas, minhas lições. E era maravilhoso. É maravilhoso.

Belchior quando partiu abriu um rombo em meu peito. Chorei demais. Gal, aquela voz, as letras. A tristeza que fica.

E ai hoje, enquanto lia um livro, vejo, pelo canto do olho, uma notificação no celular que começava com “Rita Lee…”. Afastei a notificação e no mesmo instante meu coração parou. Pensei: “Não…. não…”. Abri o buscador. Ela havia partido.

Venho seguindo a Rita pelas redes sociais. Desde sempre amava o que ela falava, a forma como se referia aos animais, o modo como declarava seu amor ao Roberto (que mais parecia coisa de cinema), as declarações tão sinceras que chocavam muitos. Eu sempre me deliciava. Talvez por entender daquele humor, como uma boa capricorniana.

Ao saber da doença primeiro veio o susto, depois aquele “ah, ela vai sair dessa e quando estiver bem velhinha ainda vai fazer anedótas sobre..”. O bem velhinha não chegou.

Nos últimos anos a cada novo post era um alívio, a certeza de que ela estava aqui. Que essa referência não havia partido. Que ela estaria falando, criando, ensinando mais. Pois é assim que vejo. A adulta que sou hoje bebeu e aprendeu nas músicas da Rita, viu que ser uma ovelha negra não era o fim do mundo; que viver pelado e pintado de verde pode ser libertador, que a gente não aguenta lero lero, que da pra fazer amor por telepatia, que podemos agir com a sutileza de um furacão, que às vezes estaremos meio desligados, com os pés longe do chão e que outras vezes vamos querer ser meio Leila Diniz .

Chorei. Chorei como quem perde alguém que estava logo ali, ao alcance da mão. Chorei porque pareceu que estou ficando velha e que esses amigos estão todos partindo. Chorei porque parece que a gente começa a falar com ninguém. Chorei porque a Rita parecia imortal. (E ela é, eu sei)

Chorei porque me deu medo de ela não ter tido a real noção da sua importância nesse país, pras mulheres dese país. Não só na música.

E concordo com a Preta Gil que sabiamente escreveu “Descanse em paz não combina com você, aonde quer que você vá, você será pra sempre luz e revolução”. Obrigada, Rita, por ser a nossa Revolução.

É, Rita, agora também falta você.

O mundo se despedaça

Esse é o título de um livro de Chinua Achebe. Mas neste momento parece ser o título dos nossos dias.

Hoje um amigo faleceu. Depois de passar meses na UTI devido a um assalto em que ele foi espancado. Levaram sua mochila e sua bicicleta. Esse foi o preço da sua vida. Os assassinos seguem impunes, escondidos na miséria que lhes cabe. No anonimato, levando a merda de vida deles. E o Aguinaldo se foi.

Receber essas notícias é sempre um murro na cara. Uma tristeza sem fim. A mente volta aos tempos de alegria, de compatilhamento de ideias, abraços, sorrisos. Volta àquele tempo que fica na memória, que fica no coração, que foi imprescindível para sermos quem somos hoje. E aí vem o vazio, a dor. Um tempo em que sim, existia violência, mas ela parecia tão longe de nós. Tão longe da gente que passava o tempo sonhando.

Também lutávamos; também discutíamos o futuro e o presente, claro, ali na nossa cara. Mas a gente tinha tenho pra sonhar. A gente tinha condições de sonhar.

Hoje parece que até isso estão tirando de nós.

Estamos sendo mortos numa festa, na fila da lanchonete, na calçada. No meio da tarde de um sábado.

E poucos estão se importando. A dor é infinita.

Nos matam por falta de segurança, por falta de saúde, de vacina, de educação, de comida, de emprego. Nos deixam morrer um pouco – mas rápido – todo dia. Só desviam o olhar, quando muito.

O mundo está se despedaçando. Os sonhadores estão partindo. Os sonhos estão desaparecendo. Que triste é isso.

Dois pés de galinha ou a humilhação nossa de cada dia

Na sexta-feira, 20, por volta das 14h o Boris, meu senhorzinho de 19 anos e meio tentou me matar tendo uma convulsão completa (pois é, até aprendi que tem convulsões diferentes). Foi uma coisa ultra pavorosa. Tremia e chorava tanto que nem sei como consegui pegar o bichinho no colo pra segurá-lo evitando que se batesse tanto no chão.

Ele também não demonstrou sinal algum antes. Muito pelo contrário: estávamos na cama, prontos para vermos uma série e, do nada, ele começou a mexer a patinha traseira como se fosse se coçar. Aí desceu da cama pela escadinha dele e, no chão, tombou e começou a se debater, espumar pela boquinha, contorcer o corpinho todo. Já pulei e, meio cega, coloquei ele no colo, onde ele soltou a bexiga. Ficamos lá, no chão, molhados, perdidos. Conforme ele foi se acalmando, fincou a unha na minha blusa, na altura do ombro, e lascou uma mordida também, que só pegou a blusa. Ficou assim, me olhando com a pupila dilatada, fixo. Só “pensei, meu, fudeu, ele vai morrer”. Ligação daqui, áudio dali, falei com a veterinária dele, as coisas foram se organizando e o Boris, voltando ao normal.

Pois bem. Sábado de manhã, seguimos para a clínica veterinária, onde ele faria o tratamento normal dele e a coleta para os exames complementares. O bichinho parecia possuído. Mesmo sedado não deixou ninguém pegar sangue nem nada.  Mais de duas horas depois voltávamos pra casa com uma lista de remédios, um encaminhamento para o laboratório e uma dica: fazer um caldinho com pés de galinha.

Deixei o Boris em casa, depois de verificar que ele estava mais de boa e saí atrás dos remédios e dos benditos pés de galinha que eu nunca havia comprado na vida. Nos mercados, vi que só tinha umas bandejas com um monte de pé. E, na minha santa ignorância, pensei “óbvio que não vou precisar disso tudo”. Vida que segue.

Aí, encontrei um açougue e perguntei se teria pés de galinha ao que o açougueiro me disse que não, mas que eu encontraria nos mercados. Então expliquei que sim, tinha visto nos mercados mas era muito e eu só precisava de dois. (?????? Quem me falou que dois bastavam? Ninguém. Esse número saiu da minha incrível cabeça.) Aí ele me disse: “ah, mas dois então eu tenho pois tem muita gente que compra o frango e não quer os miúdos”. Ok. Quanto é? “Imagina, pode levar, eu sempre deixo separado aqui pra doar se alguém pedir”. Tá bom. Cheguei em casa e fui preparar sabe-se lá o que com os meus dois pezinhos de frango. Hmmm, como é que faz esse treco? Mensagem pra um, mensagem pro outro. Ninguém respondia. Aí o Marcio me manda uma mensagem “corta um pouco ele e cozinha, mas por que comprou só dois?” Eu pensando: oxeeee, se é só um gato pra que mais, minha gente? ¬¬

Tô lá de luva (pois mexer em carne não é algo que eu faça com naturalidade) e eis que o primeiro incidente acontece: um dedo da galinha tentou me matar se enfiando dentro da luva. Eu: SEM OR MAS QUE ERROR404!!!

Segura a franga aí, minha filha, com o perdão do trocadilho.

Fiz uns talhos de qualquer jeito e joguei a maçaroca numa panela com um pouco de água. Sentei na sala e vi que tinham me respondido. “Nana, primeiro, numa tábua de carne, você tira as unhas”… Eu de novo: OI??????????? COMO ASSIM TIRA AS UNHAS?? Minha filha, eu joguei foi com tudo na panela.

A partir de então foi um tentar explicar, justificar, comentar que não deu outra! Era gargalhada atrás de gargalhada. Todo mundo querendo saber o porquê de APENAS dois pezinhos, como que eu não arranquei as unhas, etc., etc., etc. E, evidentemente, todo mundo morrendo de rir!

Boris, tadinho, dormia no bercinho esperando que a humana dele soubesse pelo menos fazer um caldinho simples. A humana rindo de perder o fôlego vendo como ia remediar o desastre.

A nequinha que rendeu do cozido ele lambeu feliz. Eu, sem conseguir fazer nada além de rir e morrer de vergonha, fiquei rindo e morrendo de vergonha. Mas já tô acostumada. Vim ao mundo para isso. E pra passar raiva, claro.

Boris segue quietinho, amuado, ainda debilitado pelo ocorrido, embora tenha comido e bebido água. Eu sigo aqui, me preparando para a próxima ida ao mercado, comprar uma bandeja cheinha de pé de galinha e sabendo que pelo menos da próxima vez a humilhação não será tão gigante!

2021/2022

Todo fim de ano a mesma coisa: paramos pra nos despedir do ano que finda e começamos a despejar nossas esperanças no ano que se inicia. Olhamos pra dentro, olhamos pro entorno.

2021 foi um ano muito difícil. Tinha a pandemia, tinha a crise, financeira, hídrica e psicológica (entre outras), tinha o medo.

Em 2021 perdi um irmão e, por pouco, não perdi outros dois. Perdi uma colega de trabalho. Perdemos amigos, familiares, conhecidos, ídolos. Perdemos um pouco a esperança, também. Foi um ano cruel.

Em 2021 li menos que o habitual, pois muitas vezes foi difícil segurar a dor, o medo, o ódio e fazer outra coisa que não sofrer, que não esperar, que não lamentar, que não desejar que essa corja maldita que “governa” o país fosse engolida pela terra.

Em 2021 precisei mudar de casa, de bairro, de hábitos. E, apesar de ter sido um choque, num momento em que passava pelo luto, pela dor, percebo que pude me reconectar comigo mesma, que pude aproveitar essa “loucura” pra iniciar o processo de cura, tão doloroso, às vezes.

Em 2021, mais que nunca, precisei (além de ser recomendado) estar só, em silêncio, buscando encontrar um pouco de força pra seguir. Buscando qualquer fio em que eu pudesse me agarrar pra não sufocar.

Aprendemos? Sim. Acredito que todo dia é uma chance de aprendizado, mesmo que soe piegas. Tomara que tenhamos aprendido a não tomar mais decisões tão estúpidas. Tomara.

Dia desses acabou a luz aqui na minha região e somente a Universidade Estadual de Maringá estava iluminada. Quis acreditar que era um sinal. Tomara que seja. Um sinal de que esses tempos tão sombrios estão chegando ao fim. Um sinal de que a ciência e o conhecimento vão triunfar. Um sinal de que deixamos a idade das trevas bem pra trás. Assim seja.
2022? Um novo ano é sempre uma incógnita. A gente faz planos (que às vezes não dão nem um pouco certo), a gente sonha, a gente deseja.

Eu comecei me matriculando numa nova graduação. Correndo tudo bem, devo terminá-la 20 anos após a primeira.

Pra 2022 espero dar conta da nova lista de livros (com muita ficção científica), e desejando não me cobrar tanto, mas também me deixar à deriva (como sinto que fiquei boa parte de 2021).

Começarei sabendo que, embora tenha estado fisicamente sozinha boa parte do tempo, não estive abandonada. E, espero, não abandonei. Ainda que tenha estado mentalmente abalada por bastante tempo. Então, creio, chego um pouco menos enfraquecida. Talvez.
Desafios teremos, claro, o mundo tá todo meio estropiado, e o Brasil (suspiro) tá bem fodido, é isso. Mas que a gente tenha saúde, força e esperança mesmo, até quando estiver doendo. Pq é isso que o ano novo, me parece, significa: a chance de reabastecer. E de tentar mudar.

Que tenhamos sorte.

Harry Potter 20 anos

Há alguns anos (e quando eu soube que Harry Potter estava fazendo 20 anos eu me preocupei hahahah) uma de minhas irmãs recomendou muito a história do famoso bruxinho. Contou que o livro era muito mais legal (sempre assim, né) mas que valia a pena ver o filme.

Creio que a questão de ver o filme, nesses casos, fica muito por conta de dar uma cara aos nomes, ou verificar se a cara dada combina com aquilo que imaginamos durante a leitura.

Embora minha irmã tenha dito que o filme era legal, ela fez muitas críticas. O normal, me parece.

2021 finalmente resolvi começar a leitura dos livros que eu ja tinha adquirido há bastante tempo. E, confesso, fiquei me perguntando o motivo de tanto sucesso.

Os livros, embora tenham uma escrita claramente voltada para o público infanto-juvenil, conseguem, de fato, como havia dito minha irmã, prender a atenção e alimentar a imaginação. Quem não gosta de contos de bruxarias, feitiços, etc?

Mas é a construção das personagens que me irrita. Harry é um moleque mimadinho, com síndrome de herói que embora diga que respeita seus amigos, só o faz quando concordam com ele. Aliás, metade dos problemas se dão pois Harry não aceita conselhos e se vê como o único salvador do mundo.

Hermione e Rony parecem ser mais equilibrados, porém a inteligência e dedicação da amiga e o lado mais cômico, festeiro e despreocupado do amigo, costumam ser pontuados como “coisas ruins”.

Outra questão que me irritou muito foi a tradução dos nomes (James virou Tiago, Bill virou Gui, Dudley virou Duda e assim por diante). De novo, é um voltado para um público infantil, mas então por que cargas d’água Hermione ficou Hermione, Neville ficou Neville? Não faz muito sentido e, a meu ver, deixou o texto bem comprometido.

No fim, a história do bruxinho, quando lida, embora tenha lá seus problemas, é bem gostosinha e fácil de acompanhar. Aí fizeram os filmes.

Sem or! Primeiro, não eu nunca tinha visto os filmes. Sei lá, nunca me interessei mesmo. Mas depois de ler os livros, resolvi ver os filmes também. E, sério, gostaria de desver.

A atuação é muito ruim. Muito. Daniel Hadcliffe tem a mesma cara pra rir, chorar, sonhar, fazer magia, etc. Ninguém parece estar muito confortável com o que está fazendo, salvo raras exceções.

Do filme três em diante, a inspiração no livro passou beeeeeem longe. Se você não conhece a história nem da direito para entender o que é que eles estão fazendo.

Aliás, o ator que passa a interpretar Dumbledore a partir do terceiro filme também é uma lástima. Inventaram uns trejeitos bestas, uma infantilidade que, no livro, Dumbledore não tem.

A magia que J.K. Rowling tenta construir nos livros e, em muitos momentos realmente consegue, é dinamitada nos filmes. Lendo é possível torcer pelas personagens, entender como se sentem e porque se sentem daquela maneira. Nos filmes, não.

Claro, há que se pesar o fato de eu estar bem longe da faixa etária de destinação das películas, de as produções começarem a ter sido feitas mais de duas décadas atrás, e o fato de eu, na maioria absoluta das vezes, preferir o livro ao filme/série. Faço uma ressalva à série Outlander em que o roteiro é bastante fiel aos livros. Chega a impressionar.

Harry Potter, me parece, poderia sim ter sido diferente, poderia ter atores que mergulham nas personagens e nos fazem viajar com eles, sentir com eles. Mas, pra mim, não foi o que aconteceu. Parece só que quiseram embarcar no sucesso dos livros e o resto era o resto. Fim.

Bom, foram horas de leitura e horas de filmes. Minha surpresa continua sendo com o sucesso alcançado.

Talvez seja a percepção de uma “trouxa” que inveja os poderes dos bruxinhos, talvez seja a idade, o tempo decorrido, não sei. Quantos aos livros, foram aprovados, de 0 a 10: 6,5 (embora aqui fosse engraçado dar 9 3/4 hahahahhaha). Já os filmes… queria poder desver.

Trabalho em casa, normalidade e outras coisas

Num mundo em que a covid-19 nem era conhecida, eu passei uns meses trabalhando em casa pra uma empresa. Foi uma coisa muito louca e me deixou sonhando que, já que eu não ganhava na loto, bem que eu podia trabalhar de casa pra sempre.
Ah, o custo de manutenção é todo meu? Sim. Eu sei disso. O empregador repassa pra mim tudo isso (energia, água, desgaste de máquina, papel higiênico, café, etc etc) e não recebo aumento nenhum no salário. Mas o fato de não ter que sair do meu esconderijo, de não pegar ônibus lotado, de não ter que acordar ainda mais cedo, de não passar o dia ao lado de gente detestável, de não carregar marmita, de não ter um lugar decente para passar a hora do almoço, enfim, tudo isso pesa e muito pra mim.
Na minha casa reina o silêncio.Sei que vivo uma realidade privilegiada, pois tenho um espaço na casa pra ficar trabalhando (e, antes, estudando, em paz) além de os únicos outros seres na casa serem os meus gatos. Não há gritos, não há conversa quando preciso me concentrar. Ás vezes os gatos surtam e fazem uma bagunça louca? Sim. Eles, inclusive, adoram gritar quando um chefe liga. 
Aí veio 2020. E o ano começou com minha saúde escorrendo pelo ralo. Um problema atrás do outro. E, em março, algo que o médico disse ser bronquite, Pronto. No meio da pandemia. Fora a rinite, a fibromialgia e um quase enfarte. Pacote completo. Grupo de risco. Trabalho em casa.
Aos poucos as coisas vão se organizando, uma rotina diferente. Passar o dia com meus trapos, comer melhor, dormir melhor e só sair se não tiver jeito. Antes era uma opção, agora uma necessidade. Dias e dias e dias e dias. Até perder a noção do tempo.
É gostoso estar em casa, na minha casa, com minhas coisas, meus ácaros.
Mas trabalhar em casa também tem um lado cruel e extramente cansativo(para além dos repasses já mencionados): alguns pensam que você está de férias eternas; outros pensam que você deve estar disponível 24h com um lindo sorriso na cara.
Também é uma grande merda saber que são poucos os que tem esse privilégio: poder ficar em casa, poder trabalhar em casa, poder comer em casa, PODER COMER, TER UMA CASA. Isso e o desgaste de saber que 98 mil pessoas morreram porque afinal de contas, são só vidas, né, e a economia?
As forças vão sumindo. O desânimo vai tomando conta, a raiva vai aumentando (cortisol mandou lembranças pro coração). É muito difícil.
Aí você vê as pessoas levando a vida numa boa, com festas, saracoteando no comércio, indo a bares, como se nada, NADA, tivesse acontecendo.
A angústia só aumenta.
O cardiologista falou que é normal ter crise de ansiedade no isolamento. Foi complicado explicar que o isolamento eu tiro de letra, que na verdade eu fico muito em paz assim. Explicar que o que me enlouquece é saber que tem gente indo a festas, que tem gente tirando sarro dessa merda toda, que minha mãe trabalha em hospital e não tem todos os equipamentos necessários à sua proteção, que meu pai de quase 82 anos não aguenta mais ficar em casa e, por isso, vai jogar malha com os amigos e tocar viola com eles, que os colegas que estão trabalhando estão sendo expostos por outros colegas que não acreditam que “essa gripezinha” mata e, afinal “se matar, o que se pode fazer, todo mundo morre, né”? Que as pessoas fazendo isso contribuem para que essa situação não se resolva. Que a gente não tem ministro da Saúde. Que a Educação está indo pro saco. Que o país está desgovernado e disseminando ódio e desinformação. É isso que vai acumulando, acumulando e acumulando até explodir. 
Isso o que me deixa ansiosa e me impede de estudar, de ler, de descansar, de dormir, de estar menos intranquila. É isso e saber que poucos se importam, que poucos levam a coisa a sério.
É saber que a cada vez que se olha as notícias vem algo terrível: mais mortes, inércia do congresso, má vontade generalizada.
E aí me falam em novo normal. Novo Normal??? O que é isso? O.QUE. É. ISSO?
Quase seis meses.
Quase cem mil vidas.
Quantas famílias sem emprego?
Quantas família sem comida?
Quantas família sem casa?
Que novo normal é esse?
Trabalho em casa. Por algumas horas consigo simplesmente me desligar de tudo e fazer meus processos só ouvindo o tec tec do teclado.
Trabalho em casa e sobra mais tempo pra, de repente, ter crises de ansiedade.
Trabalho em casa e posso chorar de medo, de frustração, de raiva.
Trabalho em casa.

Torneirinha ligada

Hoje foi um daqueles dias bizarros. No ônibus, pela manhã, não sei porquê, esqueci que não devia descer no terminal rodoviário. Só percebi o que estava fazendo quando já estava colocando o pé na escada, para descer. Voltei ao meu lugarzinho estranhando minha mente maluca. Demorei a perceber, depois, que devia puxar a corda pra descer, quando meu ponto chegou. Mas até aí tudo bem, sexta-feira, a gente entende que está dando tilt.

Em poucos meses completo dez anos fazendo as aposentadorias dos servidores da cidade em que moro. Essa atividade não é ruim, mas confesso que estou no meu limite há muito tempo. A exaustão é mental, é física, é emocional.

Às vezes vejo um processo, que o salário final é o salário mínimo, engulo seco, deprimo. Mas sei que, no geral, apesar dos pesares, passo o dia dando boas notícias pras pessoas. E invejando o que elas tem e que eu, talvez, nunca venha a ter. Assim como milhões de outras pessoas nesse país absurdo.

Mas hoje, não bastasse o surto estranho da manhã, tive um atendimento que tirou o resto de estabilidade que eu almejava.

Dias desses, enquanto adiantava os processos de outubro, pra poder tirar minha licença em paz, vi que teria que indeferir um processo devido aos quatro anos de afastamento que a pessoa havia tido anos atrás, durante o qual não houve contribuição previdenciária. Perguntei, no setor, se era possível verificar se a pessoa em questão tinha feito a contribuição facultativa e me disseram que era necessário que ela trouxesse os comprovantes caso quisesse contestar o cálculo. Como estou bastante antecipada, segui com o restante dos processos e só veria esse caso mais tarde.

Hoje, porém, a pessoa viu no sistema o seu indeferimento e foi falar comigo.

Ela ficou arrasada, como era de se esperar. Expliquei o motivo do indeferimento, o que poderia ser feito, enfim, o atendimento de praxe.

Indeferir processos é sempre uma grande merda. As pessoas se programam, estabelecem novos ritmos, sonham com uma nova rotina. Então, eu fico imaginando se fosse comigo. Tudo pronto pra aposentar e de repente chega o “não”. Provavelmente eu teria um colapso. Muitas vezes as pessoas reagem muito bem, entendem, seguem adiante sem grandes problemas. Outras vezes as pessoas veem seu chão desaparecer. E, confesso, nessas horas eu não sei o que fazer.

Meses atrás, uma pessoa muito querida deveria ter se aposentado, mas o entendimento jurídico sobre um dos tempos utilizados para a concessão da aposentadoria mudou e o processo foi cancelado. Quando a decisão chegou a mim, eu senti o peso do universo nas costas. Voltei pra casa sendo esmagada, com tantas dores que só pensava em ser engolida pela terra.

Hoje, estava lá, eu com minha sinusite dando sinal, com um pequeno “não sei onde estou e nem o que fazer agora”, antes das 7 da manhã e a pessoa chega pra saber do seu indeferimento.

Eu não esperava, claro.

Então foi um atendimento doloroso. E quando a pessoa explicou que à época da licença havia pedido informação sobre a contribuição facultativa, que tinham indicado a ela que não o fizesse, que se fosse fazer o recolhimento extemporâneo daria um valor que ela, obviamente não possui e que pediu aposentadoria pois está em tratamento para uma doença grave, eu não sei o que houve, mas tudo pareceu ir ruindo.

A pessoa, naturalmente, começou a chorar. Chorava e chorava e chorava. Eu comecei a tremer. Sentia frio. Não sabia mais o que fazer. A boca seca, não conseguia nem articular mais um pensamento lógico. Meu estômago dava voltas.

No fim, ela me abraçou. Ainda chorando. Ficamos lá abraçadas, com força. Ela foi embora, ainda chorando e eu fui ao banheiro, lavar a cara.

No caminho, colegas me perguntaram o que tinha acontecido. Eu abri a boca pra começar a explicar e comecei a chorar. No início, fraquinho, só umas lagriminhas teimosas que decidiram acompanhar a tremedeira das mãos, a moleza das pernas. Bebi água, lavei o rosto, sentei no vaso e chorei, chorei, chorei.

A torneirinha não queria desligar mais.

Era hora do almoço. Lavei o rosto, saí pra fumar um cigarro e voltar ao normal. Mas não consegui.

Não conseguia mais parar de chorar. Perdi a fome, a cabeça parecia que ia explodir, o estômago dava voltas e mais voltas, as mãos tremiam.

Não sei quando tive a última crise incontrolável de choro como a de hoje. E foi uma coisa altamente estranha pois mesmo vendo coisas engraçadas no face do Boris, mesmo retornando ao trabalho pra distrair, mesmo tentando fazer qualquer outra coisa, as lágrimas vinham. Não pude mais falar no que aconteceu. Fiquei lá na minha conchinha tentando seguir adiante.

Engoli o choro várias vezes durante a tarde, enxuguei as lágrimas várias outras vezes. Lavei a cara tantas vezes que a pele pareceu ficar meio esticada.

Ao fim do expediente, de cara inchada e vermelha, saí mal humorada. A caminho do ônibus, coloquei o óculos escuro pra disfarçar as lágrimas que ainda teimavam em pular pra fora dos olhos.

Fazer cálculos de aposentadoria, no ritmo atual, é massacrante. Diante do cenário macabro que esse país tem apresentado… nem sei como dizer.

As pessoas tem medo, tem raiva. Quem pode corre pra não perder o pouco que tem. Quem não pode sofre, teme, chora.

No meio de tudo isso, estou eu. Sem saber direito como reagir, o que fazer, o que dizer. Mas também com medo, dor, pena, raiva e muitas, muitas e muitas lágrimas. Pra dar conta de tudo, agindo meio como máquina. Até que alguém chega com sua dor e diz que não, você não é uma máquina. Você é de carne, e sangra. Como tantos outros nesses dias de terror que temos vivido.

2018

Aha! Depois de muitos meses longe do meu bloguinho, eis que reapareço para fazer a avaliação de fim de ano!

Eu não tinha sumido por falta do que falar. Embora acredite que ninguém tenha percebido minha ausência, justifico o afastamento com o pior dos hábitos: preguiça. Tá, não foi só a preguiça. 2018 foi um ano em que minha mente deu vários bug. Eu pensava uma coisa e dez segundos depois tinha esquecido. Foi um ano difícil.

E por falar em ano difícil, 2018 foi, sem dúvida, um dos anos mais cretinos da minha existência. Foi cretino porque embora a gente esteja acostumado com gente idiota, esse ano eu realmente fiquei chocada com coisas que vi e li e ouvi. Infelizmente.

O ano não começou lá essas coisas, pois o Pelúcio Mor estava se adaptando ao novo tratamento e estava um pouco fraco. Ele me deu vários sustos ao longo do ano, mas está bem estável.

Depois, a casa em que eu morava ia passar por algumas mudanças mais que necessárias e isso era sinal de transtorno. Explico: o bairro em que eu morava não tinha esgoto em todas as ruas. Assim muitas casas ainda usavam o sistema de fossas, a minha casa inclusive. Começou a movimentação pra quebrar calçadas e tal. E dois problemas me apareceram: a bagunça, o pó, o barulho e as baratas que avançariam sobre meu território e a casinha do Selvagem, que ficava na minha calçada.

Não fazia parte dos meus planos mudar de casa tão cedo mas o destino quis que, levando meus gatos na veterinária, eu desse de cara com uma placa de aluga-se. Hmmm eu adoro passear em sites de imobiliárias e “entrar” nos imóveis. Fiz o teste com o da placa. E, primeiro, vi que era possível fazer a divisão dos reinos, já que o Joaquim fica separado dos outros; e, dois, eu AMEI.

Foi uma correria sem tamanho, ajusta daqui, dali e de mais algum lugar e mudei! Eu gosto muito de mudar. Muito mesmo. Acho super bacana ver o ar novo do lugar novo, a nova ordem, o novo ritmo. Detesto embalar as coisas, mas desembalar e reorganizar é comigo mesmo.

Tudo pronto, casinha do jeito que eu queria, pertinho da veterinária. Crianças tranquilas e traquinas. Ótimo. E o Selvagem? Foi adotado, ta gordinho e serelepe. Mais que sempre!! tem até uma família canina e felina pra chamar de sua. E família é família mesmo, com as doses de amor e de treta. Se deu bem o menino!

Logo depois veio a copa. A porcaria dos fogos, a barulheira sem fim, o caos. Ainda bem que acabou.

Foi um ano em que viajei muito. A trabalho, pra cuidar do meu pai, pra passear com a minha mãe. E eu, definitivamente, não gosto de viajar. Gosto de ficar em casa, lendo, vendo um filme ou vegetando com meus gatos. Então muitas viagens, pra mim, não é sinônimo de coisa legal. É, ao contrário, motivo de aflição, desgaste emocional e físico, estresse.

O estresse também, representado pelo cortisol, deu as caras em 2018. Todos os exames que fiz estavam ótimos, com exceção do cortisol que estava nas alturas. Fibromialgia descontrolada, queda de cabelo, pele destruída, perebas generalizadas. Blá, blá, blá. A gente vai levando…

Mas aí começou o tormento  pelo qual eu considero 2018 um ano ruim: o período de eleição.

Eu gosto de trabalhar nas eleições. É domingo, é cansativo e tal, mas além do dia de folga a que se tem direito por ter ficado à disposição da justiça eleitoral, tem todo o processo, a movimentação, a adrenalina, enfim, deve ser por ser cientista social, também. MAS… esse ano foi bem difícil trabalhar nas eleições. O problema começou antes, né? Então vamos ver porque eu detestei esse ano.

Algumas pessoas por quem eu tinha/tenho muito carinho fizeram comentários simplesmente horríveis. Daqueles que da vontade de chorar, desaparecer, ser engolido pela terra. E aí é que surge o problema do “tinha/tenho”. Quando uma pessoa por quem você nutre carinho posta coisas bizarras você se pergunta como pôde gostar dela. Ela sempre foi assim? Em geral, sim, sempre foram assim. E, talvez, somente diante de um quadro mais bizarro – como o que vivemos hoje – a pessoa se sentiu livre para expor as ideias mais nojentas possíveis. De toda maneira, não existe um botão liga/desliga pra resolver a questão. Teria sido muito mais fácil, com certeza.

Por vezes eu li e ouvi coisas que doíam na alma. Algumas vezes cheguei em casa e chorei. Mas era e é muito complicado lidar com tudo isso.

Entre o primeiro e o segundo turno as coisas pioraram muito, muito, muito. Comentários cruéis, absolutamente infundados, pessoas destilando todo o ódio e toda a intolerância que eram capazes. E eu claro, também senti ódio. Senti repulsa. Senti medo.

O resultado das eleições foi o pior possível, a meu ver. Pois eleger alguém que fala o que o candidato eleito fala é doentio.

Enfim. Meu primeiro movimento foi excluir um monte de gente. Não queria “esbarrar” nesses comentários, nem no veneno deles que deixavam meu dia pior. Aí ouvi críticas. Várias. Cadê a tolerância? Cadê o direito do outro se expressar? Bom, eu prefiro me isolar no meu universo maluco a ler certas coisas. Não vou discutir o “direito” de racistas, homofóbicos, xenófobos, quero mantê-los longe, bem longe.

Depois veio “ah, mas ela não é grata a fulano e a beltrano?”. Sim, eu sou. E, Não, não me esqueci de toda a ajuda que recebi sempre que precisei. O que não significa, em hipótese alguma, que eu ache saudável ler os comentários bizarros, cruéis e, em alguns casos, criminosos, que essas pessoas fazem. Eu precisei “purificar” as coisas, precisei me afastar pra manter o mínimo de sanidade mental. Precisei “apagar” algumas pessoas pra que meu dia não virasse um verdadeiro lixo.

E, no começo, não foi fácil. Nunca é. Era um conflito imenso, um isolamento estranho, um sentimento de perda, de luto, de medo. Será que essa atitude era a melhor a se tomar? E se não fosse, o que fazer?

Decidi sair de algumas redes. Dois meses depois, o sentimento de tristeza diminuiu bem. Converso com poucas pessoas, várias delas com posicionamento bem diferente do meu, nenhuma delas fazendo posts cretinos. Não sei se em seus íntimos concordam com as coisas que me fizeram entrar no meu universo particular e bater a porta. E também não quero saber. Gostei de ficar nesse mundo. Me fez muito bem.

Não sei se voltarei às redes como antigamente, mas confesso que está muito bom como está, embora eu morra de saudade dos memes, das páginas idiotas que eu curtia, das lembranças absurdas que apareciam para compartilhar.

2018 serviu pra que algumas máscaras caíssem. Para que algumas pessoas botassem pra fora tudo o de horrível que existe dentro delas. Serviu para mostrar que estamos longe de ser uma sociedade inteligente, tolerante e igualitária. Serviu para mostrar que somos preguiçosos, incapazes ou ignorantes demais para buscar “a verdade” e preferimos seguir as ondas, disseminar mentiras, cuspir nosso ódio e nosso rancor. E foi um processo bem doloroso.

E aqui venho explicar duas coisas. A primeira, a busca pela verdade, não é algo no sentido mais profundo, filosófico. É só sobre coisas como mamadeira de piroca, que né? nos poupem…  A segunda é que eu falo do meu lugar, com o peso da minha experiência, da minha vivência. Não falo por ninguém mais. São coisas, são modos de ver que dizem respeito a quem eu sou.  A como cheguei aqui. Não, não acho graça em piada racista, machista, etc. Simples assim. E, não, não é um pedido de desculpa. É como eu vejo que as coisas foram.

O ano termina com o Pelúcio Mor dando uma baqueada, me deixando meio louca, mas já entrando nos eixos e me unhando e perseguindo pela casa. Joco,o louco, em tratamento contra pneumonia e obesidade, Jorge e Cots vão bem, obrigada.

O ano termina com alguns dias de isolamento, de silêncio, de paz. Mas o medo ainda persiste, não posso evitar.

E não, por fim , não acredito que 2019 será um ano melhor. Porque o medo que eu sinto, as coisas que li, vi, ouvi em 2018 não apontam nesse sentido. Em 2018 abriram a caixa de pandora, fizeram questão de puxar tudo de ruim pra fora e fecharam a sete chaves a esperança, pra ela não poder se manifestar.

Provavelmente eu serei a mesma abestada de sempre. Com mais medo, com receio de expor ideias e andar por ai. Mas a luta é todo dia, toda hora. E a gente tenta não desistir.

Viagens de Uber

Não faz muito tempo peguei meu primeiro Uber. Não sabia o que fazer, pedi ajuda pras meninas do trabalho. Ok.

A missão era levar o Boris pra fazer exames. Chega o carro, um tiozinho gente boa, que não era de Maringá e que, pelo visto, não estava muito adaptado aos aplicativos de localização e pegou uma cliente totalmente sem noção de direção. Ele pediu indicação de como chegar ao laboratório e eu tentei ajudar. Nos perdemos.

 Bom, no fim deu tudo certo e rendeu uma ótima história.

Depois dessa viagem, outras foram feitas, com a finalidade de atender às necessidades de meus gatos: levar à veterinária, levar medicamento na hora do almoço pras minhas crias, enfim. O meu uber é sempre um CatUber. Quase sempre, na verdade. Já peguei um uber pra botecar com as amigas!

Aí hoje, lá vamos nós na missão de levar Boris e Jorge pra fazer exames.

Uma coisa que detesto é levar os pelúcios no laboratório. Não apenas pelo estresse deles, mas muito mais pelo meu. Quando eu faço meus exames nem ligo se vai aparecer alguma coisa, um sinal de que a morte se aproxima, uma doença grave. São coisas da vida. Quando o paciente é um de meus gatos, qualquer pelinho fora do lugar me faz entrar em colapso.

Chamei o Uber, mandei uma mensaginha avisando que estava carregando dois gatos numa caixa de transporte. Dois minutos, chega o carro.

Reparo sempre na placa porque não conheço modelos de carro. O moço estaciona. “Oi estou com dois gatos, tudo bem?” “Sim, pode entrar.” Epa, que sotaque era esse?

“O senhor é de onde?” “Sou do Haiti.” Pronto, fomos daqui até o laboratório no maior papo. Ele chegou há quatro anos em Maringá, com a esposa e duas filhas. Aqui nasceu a terceira menina. Estão todas nas escola e falam português muito bem.

Falou do seu país, de como português é difícil, mas também que ele só achava isso pois nas escolas dele só aprendiam francês, que em suas ruas falavam crioulo. E rimos. De fato, faz todo sentido, não é? Embora a comunicação fosse um pouco lenta, foi o melhor motorista de Uber que peguei até o momento. Tranquilo, divertido.

No fim da viagem ele perguntou se eu achei que ele era estrangeiro pela cor dele ou só depois que começou a falar. E respondi que era pelo idioma mesmo. Ele, enquanto separava o troco, falou do racismo e de como Maringá – mas não apenas Maringá – tem sérios problemas pra receber estrangeiros e negros.

Engraçado que dias atrás eu conversava com amigos sobre isso. Conheço poucas pessoas de fora que se sentiram “abraçadas” por esta cidade. Eu também, ao chegar, 16 anos atrás, percebi que a boa recepção morava só na teoria. Enfim. Falei pra ele que também não era daqui e que entendia o que ele sentia.

Os gatos fizeram seus exames e na volta, outro uber.

O tiozinho parecia uma personagem de filme, com um enorme bigode, muito bem cortado e penteado. “Tudo bem estar com os gatos?” “Ah sim.”

Não sei como avaliar os motoristas. O moço do Haiti recebeu 5 estrelas. O moço do bigode só quatro, pois embora tenha dirigido muito bem, ficou falando que não gostava de animais.

Cara, você está carregando uma maluca com dois gatos. Mantenha sua opinião pra você se não gosta de animais e gatos em especial. Ou melhor, fala que não vai carregar. Poupa o estresse de todo  mundo.

Os gatos na ida estavam bem quietinhos. E quando eles entram em carro eles ficam loucos. Mas na ida o moço até perguntou o nome deles, deu risada quando eu falei que eram meus filhos, perguntou se estavam bem já que iam ao laboratório e tal. Se ele gostava ou não de bichos não sei. Mas ele foi legal.

Na volta o senhor Mustache não parava de falar que animais não são de confiança, que não quer os netos perto de animai, que até ajuda a esposa a comprar comida pra cachorra dela, mas desde que ela, a cachorra, fique lá fora, nunca entre em casa, etc.

Disse que gato era um ser melindroso e que se você chuta um gato ele fica com raiva de você. “Se alguém chutasse o senhor, o senhor ficaria feliz? O animal é a mesma coisa.”

“Ah, mas se você chutar um cachorro ele não fica bravo e fica olhando com cara de coitado pra você.” “Por que alguém chutaria um animal?” “Eu não sei, talvez ele esteja desobedecendo”. “Bom, se alguém chutar um de meus gatos, eu mato. Só digo isso.” Silêncio.

Peguei o celular e senti como estava tensa. Não bastasse a ansiedade com os exames ainda tinha que ouvir aquelas asneiras. Os gatos só ficavam miando e se debatendo na caixinha. Com certeza eles estavam estressados pelas viagens e pelos exames, mas o fator “ambiente inóspito” deve ter sido o pior do dia.

De todas as viagens de Uber que fiz, a última foi de longe a pior. Com total certeza.

De tarde vamos fazer mais um passeio, mas desta vez com o Marcio. Ele eu sei que ama os pelúcios. Eles vão gritar dentro do carro, vão encher tudo de pelo e fazer malcriação. Mas só porque são livres pra fazer isso e não porque vão ouvir que são bichos melindrosos nos quais não se pode confiar.

Aliás eu disse antes de sair: “eu confio mais nos animais de em seres humanos.” Espero que tenha ficado claro.