Podem falar o que for, meu sonho sempre foi ter uma casa só minha.
Com o tempo o sonho foi sendo aprimorado, porque não era só uma casa, era tudo o que ela significava – e significa – para mim. Um canto de recolhimento, um espaço onde eu possa ser eu, sem papéis adicionais, sem máscaras, sem dissimulações. Paredes que ouvirão tudo o que eu quiser dizer, sem medo nenhum. Não aquelas paredes que ouvem com maldade. Paredes minhas, paredes cúmplices, companheiras, acolhedoras. E mais, paredes coloridas.
Houve um tempo em que me apelidaram de “caixa de lápis de cor”. Isso porque eu nunca fui muito antenada em questões da moda. Ou talvez seja até demais. Adoro misturar um monte de cores, nada combinando com nada. É tão alegre isso. E na maioria das vezes, acredito ter alguma deficiência visual, pois só me dou conta do colorido em que me encontro quando alguém o menciona. Certa vez, há um ano ou dois, um colega de trabalho me disse que eu havia caprichado no look naquele dia, obviamente tirando sarro de minha linda presença. Inocentemente perguntei o que ele queria dizer, já que eu não estava percebendo nada de estranho. Quando ele passou a elencar as cores de meu vestuário naquela manhã fria, comecei a rir, pois realmente era, no mínimo, engraçado: uma blusa segunda pele preta por baixo de uma regata amarela, um casaco com várias listras em tons de roxo, um tênis preto com rosa-choque, uma calça azul e meias laranja! Um show.
Outra vez, num outro trabalho, fui com uma calça de listras coloridas e uma blusa de que não me lembro a cor. Estava bem, até alguém mencionar a quantidade de cores numa só pessoa. É difícil mesmo lidar com um arco-íris ambulante!
Na minha casa – pelo menos na de meus sonhos – a questão das cores se expande para as paredes. Penso num quarto azul com um monte de estrelinhas fluorescentes no teto. Uma sala em tons de terra; uma cozinha vermelha; uma biblioteca bem colorida; corredores coloridos, com quadros alegres; o banheiro também vai ser colorido. Acho tão sem graça essa coisa de branco. Tudo branco. É chato, pálido, hospitalar. Não tem personalidade. E quero que minha casa tenha personalidade. Que seja um lugar com o qual em me identifique plenamente.
E não é que isso não aconteça, já que afinal eu moro em algum lugar. Do lado de fora de meu casulo, as paredes são azul, do lado de dentro verde. Poderia ter mais cores, mas não tenho mais paredes, e esse é meu problema.
Tentarei esclarecer: até que eu me mudasse para cá, minha casa não era uma casa, era uma garagem com churrasqueira. Nem me lembro das cores das paredes, mas quando foi terminada a construção que a transformou numa quase-habitação, foi preciso dar um colorido a ela. Nem sei por que foi verde, mas já gostaria de mudar e, preferencialmente, uma parede de cada cor.
Tudo ficou improvisado, o que me faz ficar irritada com a chuva que eu tanto amo, porque meu lar não resiste a dias úmidos. No forro de madeira há uma abertura para um exaustor, o que me deixa ter uma boa visão da lua a depender do ângulo em que me encontre na cama, mas também não me permite uma noite escura. O velho piso de lajota é bem deprimente e descascado, mas nos dias quentes é um grande alívio poder deitar nele. O banheiro é minúsculo e tomar banho é quase ter que lavá-lo, porém para fazer a limpeza é uma maravilha: rápido e indolor! A parede em que está a pia tem poucos azulejos brancos, somente onde fica a torneira e ainda assim, sofreu um acidente tempos atrás. Houve um vazamento e para conseguir eliminá-lo foi preciso quebrar parte da parede e do azulejo. O plano era mexer em tudo e colorir aquilo ali. Mas não. Foi feito um remendo caseiro mesmo, que eu mesma assinei. Há também uma meia parede que foi erguida dois dias antes de eu mudar, pois eu queria deixar ali a geladeira. Essa é a melhor parte. A paredinha nunca foi rebocada embora tenha planejado fazer isso milhares de vezes. E ela foi feita inspirada da torre de Piza, hahaha. É um detalhe especial! Tenho duas janelas sem vidros e uma porta desabilitada, que uso como mural. É mesmo uma casa de retalhos!
No entanto, apesar de todos os pesares, é para esta casa que anseio voltar loucamente depois de um longo dia de trabalho, e da qual reluto em sair aos fins de semana, feriados e férias. E não se trata obviamente de seu conforto. Trata-se de ser um lugar que, embora não se pareça muito – ou para ser sincera, nada – com a casa de meus sonhos, é o meu canto, o meu porto seguro, onde sou eu, onde estou em paz comigo e com meus gatos e livros e discos. Onde meu cheiro está impregnado por todos os cantos, onde deixo uma figura colada na parede, um desenho, um lembrete. Onde colo fotos de amigos e parentes queridos, onde choro e rio por qualquer coisa. Onde me sinto plena.
Assim, por mais que eu gaste horas e horas sonhando e planejando minha futura casa, suas cores e detalhes, seus enfeites, seus poucos móveis, suas janelas abertas para o vento, seu silêncio quase contínuo, é nesta casinha de retalhos que vivo hoje que posso encontrar a paz necessária para elaborar tais planos, para emendar cada tecidinho que colore minha história e fazer dele um lar, doce lar.